
O mar enquanto
Livro de
Diego Lock Farina
O mar enquanto marca a estreia de Diego Lock Farina na poesia. Conduzido por movimentos e imobilidades, propõe-se a imergir na imanência da linguagem, sem perder o lastro social e o diálogo crítico com a tradição.
Atento ao exercício formal, o autor parece ciente do equívoco que é escrever poesia, ofício invariavelmente de metalinguagem, mas que também apreende do seu “fora” a manifestação de uma sensibilidade expandida. Essa dimensão de exterioridade pode ser lida aqui através de conversações não alegóricas com o pensamento da diferença, com as teorias do micropolítico, do nomadismo, do relacionismo e da afecção do cinema.
Da poesia prosaica, deslizante e objetiva, perspectivista ou construtiva, a poemas de discreto lirismo que jamais recaem nas armadilhas do “eu” insuflado, pretensioso ou narciso, O mar enquanto revela, ou melhor, busca se inserir numa contingência talvez não mais tão ativada na literatura brasileira contemporânea. Ou seja, da poesia preocupada com o rigor e a seriedade da reflexão poética. Tudo isso em meio a uma espécie de poética do menor, do resíduo e do rastro que dá efeito de conjunto à variedade de motivos experimentados no livro.
Cardumes bando de aves
tantos plurais numa só contagem
a imagem de um desses grupos
encontrando outro
mesclando noutro
num caminho que se faz migrar
juntos seguir sob a mutação fugaz
em que não mais se distinguem os grupos
cardume agora bando de aves
conjunto cardinal cardíaco
cuja elaborância dos fatos faz por si nortear
entre os de repentes ventos das lonjuras
as bandeiras dos países já não estão
representações colônias subordinações
o horizonte as trouxe pra boca
como faz com o sol às tardes
tragado pelas varandas
cardume agora bando de aves
vão sem líderes e vão e são
a imagem desses fluxos brilhantes
das grandes fusões imensas radiantes
toca o coração com a mão das esperanças plenas
recorda o canto do galo que acorda o outro
lembra do torturador que fecha o pulso raivoso
por não conseguir prender entre os dedos
as aves e inclusive os peixes
que enxerga já bem distantes
O autor
Diego Lock Farina
Diego Lock Farina nasceu em Porto Alegre em 1989. É tradutor e doutor em teoria literária pela UFRGS. Em 2014, lançou Todos os lados da rua, livro de contos finalista do Prêmio Açorianos de criação literária. O mar enquanto (2024) é sua estreia na poesia.